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Combustíveis, golpes virtuais, bebidas, cigarro e ouro geram R$ 348 bi ao crime organizado

Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que as organizações criminosas brasileiras estão cada vez mais diversificadas no seu "modelo de negócio" e mais próximas ao mercado legal

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 13 de fevereiro de 2025 às 12h08.

Com receita de R$ 348,1 bilhões em um ano, o crime organizado no Brasil estaria entre as cinco maiores empresas do país. Os dados são do relatório Follow The Products do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado na quarta-feira, 12, em evento em Brasília.

As informações consolidadas mostram que as organizações criminosas brasileiras estão cada vez mais diversificadas em seu "modelo de negócio" e dentro do mercado legal. Um exemplo é que o lucro anual, desde 2022, foi maior com a venda de combustíveis e outros produtos, como ouro, cigarro e bebidas, do que com o tráfico de cocaína.

A receita anual do comércio ilegal dessas mercadorias para o crime é de R$ 147 bilhões, enquanto a venda da droga gera cerca de R$ 15 bilhões. Entre os mercados legais explorados pelas facções, o setor de combustíveis e lubrificantes lidera com R$ 61,5 bilhões — 41,8% da receita deste grupo. As bebidas aparecem com receita de R$ 56,9 bilhões. Na sequência, vêm os mercados de extração e produção de ouro, com R$ 18,2 bilhões, e de tabaco e cigarros, com R$ 10,3 bilhões.

A título de comparação, a Ambev faturou em 2023 aproximadamente R$ 49 bilhões com bebidas alcoólicas, 16,12% a menos que o crime organizado.

No caso dos combustíveis, o estudo afirma que o total de combustível ilegal no Brasil daria para abastecer toda a frota de veículos do país por três semanas completas, mais de 500 milhões de carros, considerando um tanque médio de 50 litros, sem interrupção.

O estudo aponta que esses mercados ilegais de produtos essenciais da economia estão em expansão, gerando bilhões em perdas fiscais para o país.

Os dados mostram que 38% da produção nacional de ouro entre 2015 e 2020 tem indícios de ilegalidade, movimentando R$ 40 bilhões com forte impacto na Amazônia. A comercialização ilegal de combustíveis alcança 13 bilhões de litros anuais, com perdas fiscais de R$ 23 bilhões. O mercado ilegal de tabaco representa 40% do consumo nacional, acumulando prejuízos fiscais de R$ 94,4 bilhões nos últimos 11 anos. A falsificação e o contrabando de bebidas geraram perdas tributárias de R$ 72 bilhões somente em 2022.

Para além desses produtos, o crime teve "maior faturamento" na exploração de crimes virtuais e furtos de celulares, com R$ 186 bilhões por ano. O estudo afirma que o alto número de crimes patrimoniais é em parte explicado pela crescente tendência da transição dos crimes patrimoniais da mobilidade física para a modalidade híbrida, com forte presença de crimes virtuais.

Mas por que isso ocorre?

Os pesquisadores apontam que a ausência de controle e rastreamento de produtos, que facilita a entrada de alta circulação no mercado ilícito, e o domínio territorial de facções e milícias são a combinação para a cifra bilionária do crime nesses setores.

A equipe do Fórum aponta que é preciso maior integração de dados e informações sobre produção, rastreamento, tributação e segurança entre órgãos como Receita Federal, COAF, Polícia Federal e agências reguladoras para combater o crime organizado. Esse processo pode fortalecer a capacidade de mapear fluxos financeiros ilícitos e redes de comércio ilegal de produtos.

"Ferramentas tecnológicas como blockchain e marcação isotópica, aliadas a análises preditivas, podem conectar dados logísticos e financeiros, fortalecendo ações coordenadas para desmantelar essas redes criminosas", diz o relatório.

Uma maior presença estatal em áreas de vulnerabilidade, que hoje vivem um ciclo de violência, exclusão social e corrupção, também é apontada como uma forma de combater a economia do crime.

Mercado legal x mercado ilegal

Bebidas 

Mercado legal

  • O setor movimentou R$ 90 bilhões em 2021, gerando R$ 10 bilhões em IPI
  • 130 mil pessoas empregadas em 3.000 empresas

Mercado ilegal

  • Em 2023, o mercado ilegal de bebidas movimentou R$ 56,9 bilhões no Brasil, um aumento de 224% em comparação a 2017
  • A produção ilegal de bebidas, em especial de cervejas artesanais e outros tipos de destilados, teve um crescimento expressivo entre 2016 e 2022, aumentando de 20,5 milhões de litros para 48,1 milhões de litros (salto de 134,6%)

Tabaco e Cigarros

Mercado legal

  • Em 2023, alcançou R$ 10,6 bilhões, com 683.469 toneladas produzidas em 325.408 hectares
  • 600 mil empregos diretos e indiretos
  • Em 2021, exportações para 105 países com faturamento de R$ 7,8 bilhões, com principais destinos sendo a União Europeia (40%) e o Extremo Oriente (28%)

Mercado ilegal

  • Em 2020, o mercado ilegal de cigarros resultou em uma perda fiscal estimada em R$ 10,4 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO).
  • Estudos de prevalência recentes mostram que os cigarros ilegais representam aproximadamente 40% do mercado
  • Facções, milícias e poderes paralelos controlam territórios e rotas estratégicas para o contrabando, combinando distribuição local e logística de grandes cargas internacionais, como cigarros paraguaios, com o tráfico de drogas e armas

Combustíveis

Mercado legal

  • Representa 13,1% do PIB industrial em 2021, gerando a arrecadação de R$ 90 bilhões
  • 110 mil empregos diretos
  • Em 2021, exportações de US$ 26,4 bilhões e importações de US$ 21,3 bilhões (saldo positivo de US$ 5,1 bilhões)
  • Em 2023, 43.266 postos de gasolina em operação, sendo que 20.540 (47%) são de bandeira branca

Mercado ilegal

  • O mercado ilegal de combustíveis no Brasil movimenta cerca de 13 bilhões de litros por ano, 8,7% do mercado total, representando três semanas de abastecimento para mais de 500 milhões de carros
  • Fraudes e sonegação ocasionam perdas fiscais de R$ 23 bilhões anuais. Apenas nos dois primeiros meses de 2023, já superaram R$ 2,3 bilhões com projeção de R$ 14 bilhões
  • O mercado ilegal de combustíveis abastece garimpos, acirra o desmatamento e utiliza aviões no transporte de ouro ilegal, fomentando crimes ambientais vários

Ouro

Mercado legal

  • R$ 248,2 bilhões em faturamento em 2023
  • 218 mil empregos diretos e 2,5 milhões de empregos indiretos em 2024
  • Exportações de US$ 43 bilhões, 32% do saldo comercial brasileiro
  • Previsão de investimentos de US$ 64 bilhões entre 2024 e 2028
  • O garimpo ocupa uma área maior que a mineração industrial no Brasil, com maioria das operações em terras indígenas e áreas protegidas

Mercado ilegal

  • Aproximadamente 40% da produção nacional de ouro entre 2015 e 2020 apresenta índices de ilegalidade, totalizando cerca de 229 toneladas com valor estimado em R$ 40 bilhões
  • Em 2020, cerca de 40% da exploração de ouro no país ocorreu de forma ilegal
  • A arrecadação da CFEM no Pará aumentou de R$ 3,04 bilhões em 2018 para R$ 7,02 bilhões em 2022, crescimento de 131%
  • Entre 2018 e 2022, o Brasil importou cerca de 68,7 toneladas de mercúrio, utilizado na extração do ouro dessa substância e seu impacto nas regiões mais vulneráveis

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