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Crise climática: R$ 13 bi em perdas ameaçam desenvolvimento de 18 milhões de crianças no Brasil

Estudo do Núcleo Ciência Pela Infância revela que nova geração enfrentará 6,8 vezes mais ondas de calor, intensificando desigualdades que já afetam 37% das famílias brasileiras

Crise climática expõe nova geração a 7x mais ondas de calor que gerações adas. (Kireyonok_Yuliya/Freepik)

Crise climática expõe nova geração a 7x mais ondas de calor que gerações adas. (Kireyonok_Yuliya/Freepik)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 10 de junho de 2025 às 10h27.

Última atualização em 10 de junho de 2025 às 11h57.

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Quando uma criança nasce hoje no Brasil, encontra a um mundo substancialmente diferente daquele que recebeu seus avós.

E o que antes era baseado em percepções, agora é avalizado por um estudo inédito do Núcleo Ciência Pela Infância (NI), que mapeou pela primeira vez as intersecções entre mudanças climáticas e desenvolvimento infantil.

Baseada em informações do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz, a análise parte da aceleração dramática na incidência de eventos climáticos extremos, que saltaram de 1.779 registros em 2015 para 6.772 em 2023, um aumento de quase 280% em menos de uma década.

O que significa que enquanto alguém nascido em 1960 vivenciou ondas de calor esporádicas ao longo da vida, uma criança que chegou ao mundo em 2020 enfrentará 6,8 vezes mais episódios de calor extremo.

Adicionalmente, as inundações serão 2,8 vezes mais frequentes, assim como as perdas agrícolas que comprometerão a segurança alimentar desta geração.

A face da vulnerabilidade climática

A crise climática no Brasil não é apenas uma questão ambiental. Seus efeitos redesenham, de certo modo, as condições sociais em que crescem os 18,1 milhões de crianças de zero a seis anos do país, hoje 8,9% da população brasileira.

Desse contingente, 8,1 milhões vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza, o que amplifica exponencialmente os riscos climáticos.

A intersecção entre raça, gênero e classe social comprova como a vulnerabilidade tem rosto e classe: 33,6% dessas crianças integram famílias chefiadas por mulheres negras, mães solo sem ensino médio completo.

O que pesquisadores identificam como racismo ambiental, fenômeno em que os impactos negativos de decisões políticas e econômicas recaem desproporcionalmente sobre populações negras, indígenas e periféricas.

De acordo com o estudo, atualmente, 37,4% das crianças brasileiras de zero a quatro anos vivem em insegurança alimentar. Destas, 5% já estão em situação de desnutrição crônica, enquanto 18,28% correm risco de sobrepeso.

Um quadro que especialistas denominam "sindemia global", quando a coexistência de alguns fenômenos - como obesidade, desnutrição e mudanças climáticas - estabelecem um ciclo em que se intensificam mutuamente.

Dimensões econômicas da crise

No Brasil, os prejuízos causados pelas mudanças climáticas já chegam R$ 13 bilhões anuais, o equivalente a 0,1% do PIB de 2022.

Globalmente, menos de 2,4% dos fundos destinados a emergências climáticas são alocados especificamente para proteção infantil, perpetuando ciclos de vulnerabilidade que se estendem por gerações.

Projeções internacionais indicam que as perdas no mundo todo podem alcançar US$ 38 trilhões anuais até 2050, valor seis vezes superior ao custo necessário para limitar o aquecimento global a 2°C.

Essa disparidade evidencia não apenas a urgência das ações preventivas, mas também sua viabilidade econômica comparativa.

O laboratório do Rio Grande do Sul

As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul se converteram em um laboratório involuntário para compreender os impactos da crise climática na primeira infância.

Mais de 3.930 crianças de zero a cinco anos foram acolhidas em abrigos públicos, sendo obrigadas a lidar com episódios a separação familiar durante operações de resgate que dificultaram a identificação e porterior reencontro.

No setor de educação, os prejuízos locais foram de R$ 2,36 bilhões, sendo R$ 2,1 bilhões em comprometimentos de infraestruturas escolares e R$ 263 milhões em perdas de mobiliário e materiais didáticos.

Além disso, a interrupção de 55.749 horas-aula comprometeram direitos fundamentais das crianças, aprofundando também as desigualdades educacionais.

Os dados do estudo da Fiocruz mostraram que 43,5% das escolas de educação infantil nas capitais brasileiras não possuem áreas verdes, proporção que se eleva para 52,4% nas escolas localizadas em favelas e comunidades urbanas.

Uma carência particularmente relevante se consideramos que aproximadamente 80% das crianças brasileiras vivem em áreas urbanas, onde o o a espaços arborizados é profundamente desigual.

Para muitas dessas crianças, a escola muitas vezes representa o principal, ou mesmo único, espaço de convivência com a natureza, elemento considerado fundamental para desenvolvimento psicomotor e formação de consciência ambiental.

Resposta integrada é estratégia viável?

Entre as recomendações para lidar com o cenário, o relatório indica que se adote o modelo de "cuidado integral" formalizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), estruturado em cinco aspectos interconectados: saúde, nutrição adequada, segurança e proteção, aprendizado precoce e cuidados responsivos.

Na dimensão da saúde, as propostas incluem o necessário fortalecimento da atenção primária com protocolos específicos para riscos climáticos, ampliação de sistemas de drenagem e saneamento adaptados para eventos extremos, e instalação de sistemas comunitários de captação de água da chuva em regiões com escassez hídrica.

Para segurança alimentar, o estudo sugere a promoção de políticas baseadas na agroecologia e agricultura familiar, integradas a programas de transferência de renda, além do estímulo à criação de hortas urbanas e comunitárias com sistemas sustentáveis de irrigação.

Por fim, visando a proteção infantil, são recomendados a criação de espaços seguros para acolhimento em situações de deslocamento, fortalecimento de serviços de saúde mental especializados e priorização do reassentamento digno de famílias com crianças pequenas em áreas de risco iminente.

A viabilidade econômica da estratégia de resposta integrada é evidente.

Conforme uma comissão da Organização Mundial de Saúde , um investimento de US$ 195 per capita seria suficiente para suprir as lacunas nos serviços voltados à primeira infância - um valor modesto comparado aos custos crescentes da inação.

Logo, a questão central na análise não é mais sobre necessidade de agir, mas quão rapidamente será possível traduzir todo o conhecimento em proteção efetiva para essas gerações e as futuras.

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